Negra
Ao entrar em contato com a Wicca, nos deparamos com uma Deusa de três facetas, associada ao ciclo lunar: enquanto a Lua cresce, projetando sua energia para o mundo, a Deusa é a Donzela que corre livre, independente, sem amarras, buscando conhecer e viver aquilo que o mundo a oferece. Quando a luz da Lua chega ao seu ápice, também chega a jornada da Donzela, que torna-se a Mãe – ela cria no mundo, nutre e sustenta, provê de si mesma para assegurar a vida; então a luz da Lua começa a minguar e mergulhar em dentro de si, assim como o faz a Deusa, que agora é a Anciã – sua jornada é para dentro, para o fundo de si mesma, rumo ao auto-conhecimento, vivendo seu mundo interno. E, este processo de mergulho em si chega ao único destino possível: a morte - finalmente, a luz da Lua desaparece, para voltar depois como Lua Nova, recomeçando o ciclo. Porém, ainda existe um quarto aspecto da Deusa, menos discutido e compreendido: a Deusa Negra.
Enquanto as três faces da Deusa se associam à luz da Lua, àquilo que pode ser visto, a Deusa Negra está ligada ao oposto – à escuridão. Em um primeiro momento, podemos ver a Deusa Negra como uma extensão da Anciã, ligada à Morte e a destruição. Ela é a Ceifeira, que tira a vida, a promessa da morte, e a certeza de que ela chegará. Enquanto a Anciã é a Deusa do Auto-Conhecimento, a Deusa Negra é a transformação que vem através dele, e o reflexo que o mostra.
Na escuridão fica aquilo que não pode ser visto, portanto, a Deusa Negra é tudo aquilo que não pode ser mostrado, o que fica velado. Ela também já foi chamada de Mãe Terrível, Tentadora, Sedutora, Fúria, Assassina. A Deusa Negra é a guerreira sedenta por sangue, a mãe que aborta, a meretriz, o último sopro, a pausa entre cada segundo, o ar que nos falta entre cada respiração. Sua morada está em todos os aspectos de nós mesmos que não nos agrada ou que a sociedade categoriza como errados. Violência, ódio, medo, fraqueza, rancor – todos os “monstros” que precisamos conter, mas que ainda assim são parte essencial de nosso ser, não desaparecem, simplesmente, mas constituem uma parte da nossa psique chamada de “Sombra”. A Deusa Negra pode ser vista em grandes momentos da nossa história: guerras, escravidão, Inquisição, nazismo... Esses são alguns exemplos onde a Sombra coletiva da sociedade se manifestou. Tudo aquilo que não podia ser visto como parte do Eu foi projetado no outro e atacado. O próprio diabo cristão é um exemplo disso. Mas a Deusa Negra vem para nos ensinar que não existe “o mal no outro”, não existe bode expiatório, não existe a quem culpar. Ela nos conscientiza de que temos aspectos agradáveis e desagradáveis, e que todos são importantes para sermos quem somos. E mais: somos responsáveis por quem somos, pois escolhemos ser quem somos.
A Deusa Negra é aquela que levanta o espelho, que não nos deixa ignorar aquilo que não queremos ver. Ela nos convida a caminhar pelas cavernas escuras de nosso ser e conhecer as criaturas que ali habitam. Dessa forma, integramos os aspectos sombrios de nós mesmos de forma a termos uma vida mais equilibrada e consciente, evitando manifestações terríveis da Sombra, como as descritas anteriormente. Ela é a transformação da jornada.
Mas a Deusa Negra não é só dor. Aqueles que realmente a conhecem, sabem que Ela é também a Mãe. Ela nos convida a ousar caminhar pelos caminhos tortuosos de nós mesmos e conhecer o que se esconde ali, mas em troca Ela nos oferece a cura e o poder. Ao vivenciarmos aquilo que negamos em nós mesmos somos curados de velhas feridas, dos muros que criamos dentro de nós, de dores passadas e presentes, que infligimos em nós mesmos por culpa e medo. A Deusa Negra nos permite recuperar o poder pessoal que a sociedade nos fez abdicar desde pequenos junto com a integridade de nosso ser. Com a coragem de olhar no espelho, abandonamos velhões padrões, nos transformamos, descobrimos o universo que existe dentro de nosso ser; morremos para uma velha vida e renascemos para uma vida nova, permeada de consciência – e é aí que encontramos outro aspecto da Deusa Negra – A Iniciadora, que nos conduz pelos portais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário